Quando refletimos, criticamos e desconstruímos velhas práticas, novas narrativas se tornam emergentes. É preciso coragem para romper com a lógica normativa que nos coloca nesse lugar incabível. Mudanças de padrões são reflexos de comportamentos. E hoje, existe a necessidade de fazer diferente. Essa inversão de valores estéticos e sociais que a moda apontou como ideal todo esse tempo, ocasionou nesse profundo abismo e ausência de humanidade. Que resulta em desgaste emocional, alimentado por pressões e padrões destrutivos. O que é natural para alguns, é inalcançável para outros. Somos seres singulares, complexos e diferentes. Colocar pessoas reais dentro de superficialidades é cansativo. O mercado se esgota e o consumidor se revolta. Por isso há urgência de mudanças sim. Esse tempo é agora! Que bom que a liberdade de se amar chega para todos. É justo no amor próprio que encontramos o basta. Dane-se os padrões. A gente quer ser feliz e sentir a paz de ser quem se é, olhar-se no espelho com leveza e sem a preocupação de se comparar. Essa é a delícia da autenticidade; a compreensão que beleza é algo subjetivo e que ser perfeito demais é chato pra caramba.
É lindo se amar com uns 'defeitinhos', entende?! Um olho tortinho, um corpo fora do padrão, seu cabelo natural, sua bunda mais ou menos, sua mente incrível. Dou match mental com pessoas inteligentes (não falo de intelectualidades, mas de gente sábia). Acho incrível me reconhecer em belezas como as minhas, me deparar com uma garota bonita e tão normal quanto eu. Porque ainda é tão difícil encontrar belezas comuns nas capas de revistas? Na alta hegemonia da moda, o mínimo é considerado muito. Como se pode falar de inclusões sem proporcionalidades? Curioso que isso reflita nos números que se expressam no grande mercado de moda; fashion weeks, campanhas, revistas e outras ações publicitárias. Existe muito chão para indústria praticar o que prega. Incluir ainda não é natural. E se acontece, é porque cobramos que aconteça. Quando eu falo 'cobramos', me refiro aos que ocupam esse mercado profissionalmente ou consomem de forma consciente. Eu e você que estamos do lado certo, fazendo aquilo que é ético. Refletindo e pensando o mundo real. A gente quer ver gente como a gente brilhando. Não nos curvarmos a essa estética mecanizada, salva a nossa existência. Se ética não importasse, a gente nem precisava discutir padrão e anti racismo em 2021. Quando entendemos que consumo depende de pessoas, pessoas se libertam desses consumismos abusivos. A história está aí provando que a ruptura dos padrões, marcou o início das revoluções comportamentais. A ruptura com a magreza excessiva não é o suficiente. Tem que aceitar a cor, diversidade, pluralidade e particularidades das corporidades como um todo. Naturalizar beleza indígena, preta, amarela. As manas, as minas, as monas, corpos travestides, marginalizados, historicamente excluídos. Não existe fada encantada para mudar estruturas. Lutamos para que aconteça! Queremos mudanças reais. Mas quando esse momento chega, ainda vem carregado de "um ato histórico"! Bravo!!! Vergonhosamente histórico, não? Depois de centenas de anos, bater no peito por fazer o óbvio é tão démodeé, né minha gente? Mudem, melhorem de verdade. O que deveria ser comum, não pode ser feito como favor. É dever. Quem se compromete com um mundo melhor, tem que ser responsável. Não nos enxergarmos na indústria de moda/arte, reflete a exclusão social que sofremos ao longo da colonização. Somos gentes? Como enxergar beleza em pessoas que nem eram consideradas humanas? A racialização promoveu no mundo essa distinção. Cabe a cada um avaliar seus privilégios, reconhecer seus caminhos e incluir. É o minímo! Quero ver Zaya, Elly, Zahy nas capas de revistas. Quero ver Alexandra Gurgel brilhando na Vitoria Secret Quero sonhar com um mundo que naturalize diversidades de belezas em corpos reais. Caminhos abertos para corpos negados. É apenas isso.
Quem colabora para que a indústria da moda se transforme, precisa descolonizar suas mentes. Sem mentes descolonizadas, não podemos falar de inovação, avanço e números superficiais. É importante o que tem acontecido? SIM! Mas ainda é pouco. Precisamos reconhecer que ainda é muito pouco. Recordes e revoluções utópicas não muda na prática, as coisas ao nosso redor.
Recentemente o Fashion Revolution Brasil lançou um livro. Fiquei me questionando quantas pessoas indígenas estão lá escrevendo suas próprias narrativas sem atravessamento de pesquisadora. Quão importante é refletir sobre a moda que escrevemos e falamos. Precisamos urgentemente colocar na prática todas essas coisas incríveis que estão nas páginas de um livro. Será que é possível enxergar a nossa existência e considerar nossas escritas e vivências? Caso contrário, teremos leituras bonitas nas prateleiras, enquanto a moda continua excluindo a apagando vidas indígenas.
Se a gente quer mudar e apontar novos horizontes, a gente precisa romper a bolha e mudar os rumos genuinamente.
Autoria @molina.ela Dayana Molina l Criadora, ativista e pensadora.
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